Antologia VIII
Fábula de Natal
Em certas alturas do ano, ele deparava-se com mais abundância no seu
"refeitório" mas naquela época de muito frio, chuva gorda, luzes a piscar e uma
canção sem fim, ele ficava surpreendido pelo volume de coisas à sua disposição,
ali mesmo na sua "gamela".
-Huumm, está tudo fora da caixa grande, que bom assim é mais fácil!
Começou a procurar nos sacos periféricos, havia muito papel, muitas fitas, muitos
laços, muitas caixas, bolas partidas, objetos velhos, mas nada para enganar o seu
estômago vazio. Ia avançando pelo mar de sacos adentro mas não lhe era fácil,
patas curtas e cansadas, pelo ralo e encharcado e aquele ronco, de barriga
colada.
Sentiu um cheiro que não a lixo, olhou para cima e viu um gato malhado de três
cores, sentado na beira do contentor.
Para este é fácil saltar, ou não fora ele um felídeo. Depois subiu para a montanha
de entulho e com as garras rasgou alguns sacos que lhe chamaram a atenção, o
seu pequeno nariz não o enganou e mastigou umas espinhas de bacalhau
condimentadas com borras de café e cascas de batata e por pouco não trincava
as luzes avariadas que também lá estavam misturadas.
O pequenote de pelo ralo e encharcado gania lá em baixo, tinha tanta fome e
nenhuma maneira de lá chegar.
A gata malhada já farta de nadar no meio do lixo e com alimento (in)suficiente para
passar mais uma noite fria e chuva gorda olhou para baixo, isto enquanto lambia
as patas e limpava o pelo da cabeça que tinha ficado sujo durante a imprópria
maneira, mas vital necessidade que tinha para manter o corpo quente e gerar leite
para as seis bocas rosadas que a esperavam, e foi quando viu o pequenote.
Continuou a sua minuciosa higiene, como gato que é gato retirou qualquer odor a
lixo do seu esquelético corpo, estava a preparar-se para tomar o seu lugar de mãe,
mas antes de descer e achatando as orelhas para trás, incomodada com o ganir
fraco mas persistente do vizinho de baixo, sentou-se outra vez na beira do
contentor e aí esteve uns minutos, ora olhava para baixo ora olhava em redor. O
pequenote estava quase a desistir, estava frio e aproximava-se chuva gorda,
tremia tanto que o choro estava intermitente.
-Já não aguento mais vou para casa…
Casa... um buraco que abriu ao lado de um poste em tempos de mais robustez
física e que entretanto perdera.
Já não chorava mas o estômago roncava, tinha voltado as costas ao contentor
cheio de sacos a arrebentarem de inutilidades, a tinhosa e pequena cauda estava
escondida e farejava o chão procurando migalhas.
De repente sentiu um pequeno encontrão, algo se roçou por ele e fugiu, quando
olhou para o lado para saber a origem da estranha e inesperada sensação os seus
olhos ficaram arregalados e regalados ao verem uns restos de comida no chão e já
longe corria a gata malhada para onde era tão desejada.
Um (in)feliz Natal
Madalena Gonçalves